Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA
Online, a senadora Ana Rita (PT-ES), falou sobre o projeto de cotas para o
serviço público federal, do qual é relatora. A proposta, que reserva 20% das
vagas em concursos públicos federais para afrodescendentes, foi aprovada por
unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última
quarta, dia 7. E seguirá para votação em plenário na próxima terça, dia 13. O
texto estabelece que poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros
aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso
público, segundo quesitos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
De autoria do Poder Executivo, o
projeto prevê a aplicação da reserva de vagas nos órgãos da administração
pública federal, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades
de economia mista controladas pela União. Haverá cota racial sempre que o
número de vagas oferecidas for igual ou superior a três. O projeto também prevê
punições, caso seja constatada falsidade na declaração do candidato. O texto
estabelece um prazo de validade de dez anos para a medida proposta e prevê que
a reserva não se aplica aos concursos cujos editais tenham sido publicados
antes da vigência da lei. Acompanhe a entrevista e entenda o que pode mudar nos
concursos da esfera federal.
De onde surgiu a ideia do projeto? A inspiração foi mesmo a experiência
nas universidades? Considera as cotas nas universidades experiências positivas?
O projeto de lei 29/2014 é uma
iniciativa do Poder Executivo e foi enviado ao Congresso Nacional pelo governo
da presidenta Dilma Rousseff. O bom êxito das cotas nas universidades públicas
federais, somado à constatação da baixa presença de negros no serviço público,
em especial em carreiras de maior prestígio, motivou o envio da proposta.
Verificou-se o ganho que a diversidade trouxe para a produção do conhecimento
acadêmico. Constatou-se que, havendo oportunidade para todos, o mérito de cada
um é semelhante, sendo os benefícios sociais inestimáveis. Destaco que o
projeto de lei foi assinado pela presidenta na abertura da III Conferência
Nacional de Promoção da Igualdade Racial, realizada em Brasília, de 5 a 7 de
novembro do ano passado. Na ocasião, Dilma anunciou o envio do projeto em
regime de urgência.
Qual o trâmite agora? Quais são, na sua avaliação, as reais chances de
o projeto ser aprovado?
A nossa expectativa é de que o
projeto seja aprovado na próxima terça, dia 13 de maio. A matéria já foi
aprovada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, na qual
sou presidenta e fui a relatora do projeto de lei. Também foi aprovada na
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, na última quarta-feira, dia 7,
estando pronta para ser votada em Plenário. Se aprovado pelo Senado sem
alterações, o projeto de lei seguirá para a sanção da presidenta Dilma. Avalio
que o projeto será aprovado no Senado sem problemas. Tanto na CDH como na CCJ
obtivemos votação por unanimidade. Temos consenso com relação à proposta. O
Senado tem avançado nestas questões nos últimos anos e dado respostas a
demandas tão importantes da sociedade, como essa. Exemplos são a aprovação das
cotas nas universidades públicas federais e o projeto que garantiu direitos
trabalhistas iguais a dos demais trabalhadores para os trabalhadores e
trabalhadoras domésticas.
O que acredita que mudará no perfil dos servidores públicos caso o
projeto seja aprovado?
Primeiro é importante deixar
claro que as cotas raciais para servidores já existem em quatro estados e 46
municípios desde 2002, com sucesso na maioria das vezes. Em segundo lugar, essa
é uma diretriz necessidade, pois vai ao encontro de percentuais muito
destoantes entre negros e brancos no mercado de trabalho brasileiro nas últimas
décadas. Temos de garantir no serviço público federal a representação da
sociedade brasileira. Dados indicam que apenas 30% dos servidores públicos
federais ativos são negros, contrastando com os 50,7% de negros da população
brasileira. Em carreiras de maior prestígio, a desigualdade é ainda maior.
Entre os diplomatas apenas 5,9% são negros; nos auditores da receita são 12,3%;
e na carreira de procurador da fazenda nacional, 14,2%. São distorções como
essas que o projeto atualmente em votação pretender corrigir.
Em tese, o projeto não fere o princípio da meritocracia que faz parte
da filosofia dos concursos públicos?
Sobre a meritocracia, as cotas
não ferem este princípio. Lembro que as cotas só atingirão os aprovados no
concurso, ou seja, aqueles que obtiveram as notas mínimas exigidas no edital.
Isto garante tanto o princípio da meritocracia, como a qualidade do serviço
público. Ademais, o princípio da meritocracia não é absoluto. Só pode existir
meritocracia onde existe igualdade de oportunidades. Ao julgar a
constitucionalidade do sistema de cotas, em 2012, o ministro Marco Aurélio
Mello, do Supremo Tribunal Federal, disse que a “a meritocracia, sem que esteja
garantida a igualdade do ponto de partida, é uma forma velada de aristocracia”.
Porque a proposta prevê a adoção das cotas por um período pré-definido
de dez anos?
Feliz é a nação que não precisa de
cotas, que possui igualdade real entre as raças. No entanto, ainda não
alcançamos este objetivo norteador. Por isto, devemos continuar com a política
de transferência de renda, de ampliação e melhoria do ensino público e
construção de legislações que combatam o racismo em todas as suas formas. Neste
contexto, a política de cotas é uma ação paliativa, temporária, e não
permanente. Após este decênio vamos conjuntamente debater, reavaliar a situação
da desigualdade racial e da inserção dos negros no serviço público. Tendo como
base essa avaliação, o Congresso Nacional definirá pela renovação deste período
ou pelo encerramento da ação afirmativa. Vale destacar que a cota racial terá
validade de dez anos e não se aplicará a concursos cujos editais tenham sido publicados
antes da vigência da lei. Para concorrer a essas vagas, os candidatos deverão
se declarar negros ou pardos no ato da inscrição do concurso, conforme o
quesito de cor ou raça usado pelo IBGE. O PLC 29/2014 determina ainda a adoção
da cota racial sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for
igual ou superior a três. Algumas punições também estão previstas caso seja
constatada falsidade na declaração do candidato. As penas vão da eliminação no
concurso à anulação do processo de admissão ao serviço ou emprego público do
candidato que fraudar os dados.
Fonte: Folha Dirigida
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